Francis Ricken*
Em certa medida, sempre tivemos dúvidas sobre os processos eleitorais, seja pelo sistema de eleição, pela contabilização de votos ou pela utilização de mecanismos digitais para a realização das eleições. Essas dúvidas são normais para qualquer cidadão que se interessa razoavelmente pela política. Entretanto, nos últimos anos, temos convivido quase que diariamente com ataques constantes ao sistema eleitoral, arquitetados ou realizados pelo presidente da República, algo que soa estranho. O mesmo político que foi eleito pelo sistema de votação eletrônica para cargos eletivos de forma recorrente, considera que esse sistema é falho e fraudulento, e coloca em xeque tudo que a Justiça Eleitoral realiza em termos de eleições. Confesso que é difícil concorrer com as inverdades constantes manifestadas pelo presidente que, quando desmentido pela Justiça Eleitoral, inventa fato novo e inverídico para que as instituições tenham que trabalhar em prol da construção da verdade, caso que ficou bem claro nas últimas semanas. Sendo assim, a única forma de evitar que entremos em uma espiral de insanidade gerada pelo chefe do Poder Executivo é trabalhar com a realidade e torcer para que tenhamos discernimento entre viver em um mundo de fantasias ou lidar com fatos reais.
O Brasil tem na Justiça Eleitoral um órgão específico do Poder Judiciário para a realização dos processos eleitorais, o que evita que existam interferências políticas e de membros do Poder Executivo ou Legislativo dentro das escolhas da população. Esse mecanismo de separação de órgãos para a realização da eleição torna o processo muito mais transparente e faz com que a classe política se afaste do processo de organização, administração e contabilização de votos, fazendo com que a população se preocupe tão somente com o debate eleitoral e a escolha de candidatos. Além disso, a Justiça Eleitoral tem amparo de outras instituições na realização dos processos eleitorais, como: Ministério Público, Polícia Federal, Procuradoria Geral da República, Tribunal de Contas da União, e outros interessados, tornando o processo vigiado por olhos atentos para qualquer tipo de irregularidade. Pensar que o processo eleitoral é viciado e tem o objetivo de beneficiar esse ou aquele candidato é considerar que todas essas instituições estão organizadas para fraudar o processo, o que me parece improvável. Temos que lembrar que o processo de eleição de um candidato, principalmente de um presidente da República, acontece em todo território nacional ao mesmo tempo e com autoridades atentas das forças de segurança, dos Tribunais Regionais Eleitoral e de outras instituições que têm o dever de observar e coibir qualquer irregularidade.
Quanto ao processo de contabilização de votos realizado pela Justiça Eleitoral, por meio das urnas eletrônicas, devemos lembrar que o sistema de informatização é uma realidade há alguns anos, tendo em vista que a primeira experiência ocorreu em 1996 e, paulatinamente foi implementada em todo território nacional. No decorrer de todo esse tempo, a Justiça Eleitoral avançou na utilização de novas tecnologias nacionais para tornar o processo de contabilização mais confiável, com a criação de mecanismos alheios à interferência humana como é o caso do cadastro eleitoral informatizado nos TREs, da biometria em urnas eletrônicas, do e-Título, da conferência em tempo real dos boletins de urna, e do Teste Público de Segurança (TPS) realizado antes das eleições. Todos esses mecanismos tornam o processo de votação transparente e aparentemente mais confiável do que uma teoria da conspiração criada por mentes criativas e fomentada por redes sociais.
A urna eletrônica em si é um dispositivo que busca a integralidade dos votos, evitando as fraudes, já que possui mais de trinta camadas de segurança encadeadas. Esse dispositivo digital é muito semelhante ao utilizado por empresas especializadas em segurança cibernética e instituições bancárias. Para complementar a segurança eletrônica da urna, todos os procedimentos realizados pela Justiça Eleitoral para o preparo e entrega dos dispositivos eletrônicos podem ser acompanhados pelos envolvidos nas eleições como partidos políticos, candidatos, representantes legais e órgãos de Estado nacionais e internacionais, que é realizada na Cerimônia de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas, afinal, a Justiça Eleitoral não tem muito a temer.
O que deve ficar bem claro ao eleitor é que temos um sistema de organização e realização das eleições com alto nível de segurança, assim como a Justiça Eleitoral tem um índice de confiabilidade comprovado por inúmeros processos eleitorais realizados. Manter a crítica ao processo para que ele possa se tornar cada vez mais efetivo é necessário, mas desconsiderar os fatos e criar uma narrativa para deslegitimar um processo eleitoral que tem em torno de 149 milhões de eleitores aptos a votar, é colocar em risco a democracia brasileira.
*Francis Ricken é advogado, mestre em Ciência Política e professor da Escola de Direito e Ciências Sociais da Universidade Positivo (UP).
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